sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Bolha prestes a estourar

FOTO: omactu.fr


“El fútbol vive en una burbuja especulativa que está por estallar”…


Acredito que não há necessidade de traduzir, mas vamos lá, só para não deixar dúvida:


O futebol vive em uma bolha especulativas que está por estourar”; o mais correto, em português, é acrescentar um “prestes” ou um coloquial “já, já”, dando à frase de Jean Michel Aulas, presidente, e também dono, do Olympique de Lyon, o tom de urgência que ela tem e que foi destaque do espanhol El País, ontem.


Na entrevista, Aulas criticou a atual estrutura dos grandes clubes europeus, os gastos exagerados, o papel dos empresários e questiona, ainda, o modelo “Florentino” no Real Madrid. Não por coincidência, Lyon e Madrid se enfrentam hoje, pela Champions League. Agora, se minhas vaquinhas e o tempo permitirem (sofremos um verdadeiro vendaval por volta de meia-noite; árvores quebradas, telhas jogadas longe, goteiras inesperadas, objetos arremessados como se a natureza estivesse numa disputa olímpica – será que os donos dos esportes olímpicos vão me processar por esse uso da palavra “olímpica”?), já não sei se verei o Milan contra o Manchester – caso em que serei torcedor, é óbvio – ou se verei Lyon x Madrid, caso em que serei mero observador curioso, apesar de Kaká..


Vamos aos pontos principais da entrevista:


EP: Quando assumiu a presidência do Lyon em 1987, você profetizou que o futebol se encaminhava para um novo modelo de gestão, inspirado nos princípios do mundo empresarial. Como vê a situação agora?


JMA: Estamos à beira de uma grande transformação. Nosso setor está em uma bolha especulativa que ainda não estourou. Já estourou a bolha da internet, a bolha financeira, a bolha imobiliária… É preciso desenhar um sistema de regras para evitar o crack. Como sempre que falamos de bolhas, só há uma coisa para amortizar seu estouro: um aporte maciço de capital. É preciso que os dirigentes do futebol, sobretudo da UEFA, participem da solução. Do contrário, o remédio será mais destrutivo que a doença.


EP: Qual solução você propõe?


JMA: No futebol temos um fluxo de dinheiro importante, que ao invés de investirmos no próprio futebol, em estádios e centros de formação de novos jogadores e também em mais recursos que alimentem o negócio, vai parar nas mãos dos intermediários. Isto tem desencadeado um processo inflacionário nos salários dos jogadores e nas transferências. Tem que haver um teto para as comissões e na quantidade de transferências de que participam os agentes. Não é saudável que haja agente vendendo o mesmo jogador todos e cobrando sem limites. A segunda regra é pôr um limite ao número de jogadores profissionais que tem cada clube. Há que dar liberdade total às contratações de jogadores com menos de 22 anos de idade, para impulsionar as bases, limitando a 22 ou 23 jogadores o plantel de jogadores acima de 23 anos. Outra medida que deve tomar a UEFA: definir as regras de equilíbrio dos clubes com relação aos recursos próprios dos clubes. Hoje temos Moratti, Berlusconi, Abramovich e outros, injetando dinheiro em clubes que são filiais de uma casa matriz. Se um dia a injeção de dinheiro acaba, esses clubes quebram e arrastarão à falência todo o sistema. O modelo deve ser elitista, mas também deve permitir que todos tenham acesso à elite. O Lyon chegou à elite europeia partindo do nada. No futebol, o fair play financeiro deve comportar um limite. Não é possível que a conta corrente do Abramovich seja comparável ao capital do Chelsea.


EP: Você foi para Paris participar da revolta de Maio de 68. O que aprendeu e vale hoje como empresário?


JMA: O primeiro é a máxima de Cohn Bendit: “É proibido proibir.” A empresa, como o futebol, como a política, como Maio de 68, é atitude. Tem que ter carisma, gana e paixão.


EP: Quando chegou ao Lyon você nada sabia de gestão esportiva. Foi um handicap?


JMA: A longo prazo não. Cada vez que vou a Madrid fico impressionado com a história e os títulos conquistados pelo Real Madrid. É isso que dá valor a um clube. Porém, creio que é mais gratificante construir essa história de conquistas do que simplesmenta valorizá-la. No futebol há duas opções: ou dá valor às conquistas, à história ou você as cria. O Madrid dá valor às conquistas. Eu construí uma história de conquistas do nada.


EP: Em vinte anos você despediu um só técnico. Por que tanta lealdade?


JMA: Porque eu os escolhi! A escolha de um treinador é uma prova de perspicácia. Se o despeço, é porque quem se equivocou fui eu, não o treinador.


EP: Dizem que você sempre delegou as decisões esportivas aos técnicos. Nunca se permitiu um capricho?


JMA: Às vezes gosto de um jogador, mas sempre consulto o Bernard Lacombe (diretor de futebol) e o treinador. Eles é que decidem.


EP: Pellegrini trabalha com o que lhe dão…


JMA: Florentino Pérez parte de um modelo de negócio fundado no marketing, nos patrocínios, nos direitos de TV. Com a história e estrutura do Real Madrid você pode se permitir a isto. Porém este modelo gera muitas dificuldades para o treinador. Fazer jogar juntos, e bem, a estes jogadores é complicado. O assombroso do Barça é que tem conseguido que a instituição, o sistema de jogo, seja mais forte que os indivíduos. Nunca acreditei que Ibrahimovic se integraria e vejo-o entrosado com o sistema.


EP: Nos últimos cinco anos o Lyon tem sido o clube que mais rendimento obteve com suas transferências: Kanouté, Diarra, Essien, Malouda, Benzema… Você não teme ter vendido muitos jogadores demasiadamente importantes e ter ficado sem condições de conquistar a Champions League?


JMA: Claro que sim. Porém quando criei a CEGID (empresa de informático de Aulas), que se converteu numa empresa líder de informática na Europa, se não houvesse cedido nunca, nunca poderia ter crescido. Não haveria obtido crédito. A única maneira de chegar longe é cedendo alguma coisa. E para ganhar a Champions a receita é durar. Há vinte anos tínhamos zero por cento de chances de ganhá-la. Há dez anos, uns dois porcento. E hoje temos 50%. Porque se eliminamos ao Madrid, seremos favoritos.


FONTE: OlharCronicoEsportivo (coluna de Emerson Gonçaves no Globo.com)

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